Agradecer é preciso, sabem?
O portão de acesso à Terra da Sobriedade é aberto mais vezes do que o habitual em meados de agosto. No mês em que se comemora o aniversário de Ronaldo Viana, idealizador e superintendente técnico da organização - eleito pai dos que passam por lá-, é comum que ex-hóspedes da casa, seus parentes e amigos venham à Comunidade para trazer abraços, notícias, experiências...
Esse fenômeno de visitas que acontece há alguns anos, disperso ao longo do mês, apontou os contornos do que, em 2010, passou a ser chamado “o encontro da gratidão”, para o qual todos os ex-hóspedes da casa são convidados. Em 2008, a primeira experiência de reunir aqueles que viveram na Comunidade tornou clara a importância do retorno a ela.
Além de uma boa oportunidade para matar as saudades e fortalecer a amizade com a família e os companheiros de recuperação, o reencontro ultrapassa o campo afetivo e significa mais para os ex-pacientes e para a equipe técnica da Terra. O acompanhamento clínico do dependente químico continua após seu desligamento da Comunidade. Carolina Couto, coordenadora da Terra, destaca que o reencontro “é uma forma de refazer o compromisso com a própria recuperação”.
O “Dia da gratidão” favorece uma avaliação pós-alta e em longo prazo, sistematizada através de um questionário preenchido pelos ex hospedes. O formulário busca resposta para uma pergunta: como está o indivíduo depois de ter se desligado do tratamento. Os dados levantados servem para orientar a equipe técnica quanto à melhor maneira de realizar o acompanhamento do dependente químico após o término de seu tratamento na Comunidade Terapêutica.
A importância clínica da comemoração também é destacada por Ronaldo Viana, para quem “o reencontro possibilita uma renovação desse compromisso – de assumir uma nova vida” – e que “quando a pessoa se desliga daqui, simbolicamente, é como se ela tivesse retomado 100% de sua independência, mas, na realidade, o processo de reintegração social é progressivo, exigindo a manutenção do tratamento em outros níveis, como a participação nos grupos de mútua-ajuda e atividades como esta.”
Voltar à Casa é “trazer para as pessoas que estão em tratamento o apoio que você já recebeu um dia”, lembra Ana Luiza Viana, a “mãe” dos que passam pela Terra da Sobriedade. “Aqueles que retornam trazem aos atuais hóspedes as experiências do enfrentamento da vida ´de cara limpa` e a esperança da reconquista de uma vida sóbria e feliz; e os que estão com dificuldades de se manterem sóbrios, podem encontrar, no convite e na visita, uma nova oportunidade de aproximação e reintegração aos propósitos do tratamento”,completa.
Exercitar a gratidão é parte da recuperação da dependência química, como sugere o 12º passo dos programas para alcoólicos e narcóticos anônimos, segundo o qual o adicto deve levar a mensagem de que a sobriedade é possível àqueles que a buscam. “É um privilégio responder a um apelo por ajuda. Nós, que já estivemos no abismo do desespero, sentimo-nos afortunados por ajudar os outros a encontrarem a recuperação”, sinaliza o estudo do passo.
O que a equipe técnica da Terra entende por gratidão foi comprovado pela presença de muitos dos ex hóspedes, que, emocionados, deram depoimentos abertos sobre a importância do tratamento familiar que receberam durante sua estadia na Comunidade.
O “encontro da gratidão” coincidiu com o aniversário de Leidna Nunes,uma ex paciente que, entusiasmada, chegou à Terra antes do horário previsto para conduzir a preparação do almoço, e, enfática, diz que ‘gratidão é sempre pedir a Deus por aquelas pessoas que nos ajudaram”.
Outros conceitos para esse sentimento foram demonstrados ao longo do dia 15 de Agosto. Daves Dimys disse ser tímido, mas não veio de Timóteo com sua mãe para ser discreto no agradecimento. Subiu em uma cadeira ao lado de Ronaldo e, diante de 108 pessoas, deu o recado que muitos trouxeram: obrigado, existe vida após as drogas.
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Deixa a Rita falar!
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Costurando aulas de comunicação.
A dimensão simbólica da vida ganha proporções juliopintescas-peircianas no tratamendo da co-dependência que acontece na Terra da Sobriedade. Há cerca de dois meses, as tradicionais partilhas em que desabafos, conselhos e reflexões orientados por uma médica, uma assistente social e uma psicóloga foram 'substituídos' por tardes de costura.
É quase assutadora a idéia de que, quando uma mãe procura orientação sobre como ajudar seu filho a se curar do vício, ela é convidada a sentar-se, tomar agulha e pano nas mãos para costurar. O suspiro de alívio só pode ser dado quando se lembra que este grupo é para cuidar dos co-dependentes - os parentes e amigos de D.Q.'s que, de alguma forma, adoeceram na relação com eles, adotando comportamentos que, no lugar de ajudá-los na recuperação, contribui para que permaneçam usando drogas.
A proposta da equipe clínica responsável por orientar os co-dependentes era de costurar uma colcha de retalhos - aquela heterogênea colcha que mais habita o imaginário coletivo do que os armários. Nada mais adequado, se é na consciência que as mudanças mais desejadas se operam.
Os grupos de mútua ajuda têm uma literatura específica que subsidia suas reflexões. Parte delas provêm do Programa Amor Exigente - uma adaptação de propostas norteamericanas criadas para orientar familiares de dependentes químicos - acrescida de dois 'passos', que, se seguidos, prometem uma vida mais serena, especialmente quando o olho do furacão está deitado no quarto do seu filho.
Em setembro, a literatura tratou de 'grupo', e, em outubro, de 'cooperação'. Costura daqui, amarra dali, a equipe clínica entendeu que uma colcha de retalhos poderia materializar as idéias trabalhadas - mas com reservas, como explica a psicóloga Kátia Marra. "O desafio é mostrar que o importante são os sentimentos ao longo do processo, não o retalho construído."
Ainda segundo a psicóloga, “a idéia de construir uma colcha é de costurar retalhos aparentemente desconectados de modo a construí-la como um todo harmônico. Paralelamente, propiciar aos participantes a oportunidade de conviver com a diversidade, exercitar a projeção e identificação, superar conflitos, talvez construir parte de sua história, ou reproduzi-la.”
Aí, os conflitos se tornam tão palpáveis quanto o tecido. Os participantes com poder aquisitivo mais alto não querem seu retalho ao lado dos também retalhos feitos por aqueles menos abastados (isso poderia ser chamado de retaliação?). Há quem queira dominar o destino da colcha - torná-la um troféu, uma obra de arte exposta à visitação, um emaranhado escondido, cinzas.
Segundo a psicóloga, as decisões individuais não podem ser tomadas em detrimento das coletivas. Da colcha de retalhos feita pelo grupo, será feito o que o grupo quiser: atear fogo, doar a um mendigo, à instituição, rifar, e sortear são algumas das opções.
É curioso como as idéias se comunicam, e a polifonia parece usar de alto falantes por aqui. "O abuso de drogas é um problema social", dizia ontem mesmo Ana Luiza, terapeuta ocupacional. Nesta condição, só socialmente pode ser resolvido. Voi lá!
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É quase assutadora a idéia de que, quando uma mãe procura orientação sobre como ajudar seu filho a se curar do vício, ela é convidada a sentar-se, tomar agulha e pano nas mãos para costurar. O suspiro de alívio só pode ser dado quando se lembra que este grupo é para cuidar dos co-dependentes - os parentes e amigos de D.Q.'s que, de alguma forma, adoeceram na relação com eles, adotando comportamentos que, no lugar de ajudá-los na recuperação, contribui para que permaneçam usando drogas.
A proposta da equipe clínica responsável por orientar os co-dependentes era de costurar uma colcha de retalhos - aquela heterogênea colcha que mais habita o imaginário coletivo do que os armários. Nada mais adequado, se é na consciência que as mudanças mais desejadas se operam.
Os grupos de mútua ajuda têm uma literatura específica que subsidia suas reflexões. Parte delas provêm do Programa Amor Exigente - uma adaptação de propostas norteamericanas criadas para orientar familiares de dependentes químicos - acrescida de dois 'passos', que, se seguidos, prometem uma vida mais serena, especialmente quando o olho do furacão está deitado no quarto do seu filho.
Em setembro, a literatura tratou de 'grupo', e, em outubro, de 'cooperação'. Costura daqui, amarra dali, a equipe clínica entendeu que uma colcha de retalhos poderia materializar as idéias trabalhadas - mas com reservas, como explica a psicóloga Kátia Marra. "O desafio é mostrar que o importante são os sentimentos ao longo do processo, não o retalho construído."
Ainda segundo a psicóloga, “a idéia de construir uma colcha é de costurar retalhos aparentemente desconectados de modo a construí-la como um todo harmônico. Paralelamente, propiciar aos participantes a oportunidade de conviver com a diversidade, exercitar a projeção e identificação, superar conflitos, talvez construir parte de sua história, ou reproduzi-la.”
Aí, os conflitos se tornam tão palpáveis quanto o tecido. Os participantes com poder aquisitivo mais alto não querem seu retalho ao lado dos também retalhos feitos por aqueles menos abastados (isso poderia ser chamado de retaliação?). Há quem queira dominar o destino da colcha - torná-la um troféu, uma obra de arte exposta à visitação, um emaranhado escondido, cinzas.
Segundo a psicóloga, as decisões individuais não podem ser tomadas em detrimento das coletivas. Da colcha de retalhos feita pelo grupo, será feito o que o grupo quiser: atear fogo, doar a um mendigo, à instituição, rifar, e sortear são algumas das opções.
É curioso como as idéias se comunicam, e a polifonia parece usar de alto falantes por aqui. "O abuso de drogas é um problema social", dizia ontem mesmo Ana Luiza, terapeuta ocupacional. Nesta condição, só socialmente pode ser resolvido. Voi lá!
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