O garoto colou da faixa atrás do DJ em que estava escrito quase exatamente o que ele pronunciou. Me pareceu que o orgulho de mostrar que lê bem era mais necessário do que responder espontâneamente à minha pergunta - a julgar pelo nível de instrução a que tem direito onde mora, é mesmo o caso de se orgulhar.
O baile funk para crianças aconteceu na Comunidade Terapêutica Terra da Sobriedade, onde muitos dos pequenos compõem, aos sábados, o Grupo de Prevenção Meninos do Índio, em que Terapêutas e estudantes de Serviço Social ao final do curso desenvolvem com elas atividades lúdicas no sentido de orientá-las quanto à higiene, educação, comportamento...
A idéia de fazer um baile funk para crianças foi como aquelas arquetípicas que matam coelhos (é preciso pensar em algo mais ecologicamente correto!) com uma só cajadada. O dia das crianças foi no meio da semana, os pequenos moradores da favela do índio sempre falavam dos bailes que frequentam por lá, e, de acordo com a Coordenadora do Grupo, Mariana César Viana, o acesso às drogas e o exemplo de uso é fácil e farto.
“As crianças frequentam os bailes que acontecem na favela quase toda semana. E traziam muita alegria dos bailes, mas nos preocupamos com o uso de álcool – e uso entre as crianças. O uso de drogas e promiscuidade, violência e armas. Vimos a necessidade de trazer pra eles um baile que oferecesse a dança, o riso, a diversão, mas que não tivesse o uso do álcool, as drogas, a violência...”, explica a coordenadora.
As facetas de 'novinhas' e MCs são facilmente assimiladas pelas crianças, que demonstraram fluidez na festa e no entoamento das canções, que, segundo o DJ M., hóspede da Comunidade Terapêutica, foram cuidadosamente escolhidas: “Funks mais leves, como MC Martinho”, cujas letras falam de amor, de respeito aos moradores de comunidades periféricas e de histórias de vida que estavam na ponta da língua das crianças.
Classe média e desconfiado que sou, precisei confirmar a pauta. 'Essa criançada pode ser endiabrada, mas daí a sacar como funcionam os famigerados bailes funk de favela? (fluxo de consciência: Bruna Fonseca, cadê você? Eu não sei conversar com crianças...)''
- E vocês já foram em outros bailes?
- Sim! - Em coro.
- E como funciona o esquema lá?
- Lá é com drogas, com violência e tudo de mais.
Senti que a estratégia funcionou, então fui chegando perto dos grupinhos e perguntando o que ia rolar ali - pra ter a resposta que eu já sabia -, se eles já foram em outros bailes e como funcionavam em outros lugares.
Alguns foram francos, assumiram que já consumiram álcool em bailes funk, que já viram amigos morrerem em decorrência do uso (e de infindáveis consequências) das drogas. Outros, disseram que não sabiam de nada (intertexto!).
A conversa com os meninos ficou facilitada quando a festa começou - a diversão que lhes causou serem filmados por uma máquina que eu manipulava deve ter contribuído pra isso. Daí, foi porrada atrás de porrada na visão de classe média.
São crianças talentosas, sobretudo no que diz respeito à representação do contexto em que estão inseridas. Muitos dos pequenos sabem compor e musicar versos que tratam da sua realidade, e alguns se destacam entre os amigos por isso. As letras são cantadas em conjunto, em que um coro - desafinado, é verdade - chama para si as 'novinhas' e pede que Deus abençõe e fortaleça o povo da periferia.
Vale destacar: nem Justin Beiber faz tanto sucesso entre os pequenos do Meninos do Índio.
Bartenders ofereceram batidas sem álcool para as crianças
I R R E T O C Á V E L!
ResponderExcluirParabéns!
A gente se acostuma a ouvir só coisas hediondas nos noticiários, boatos e estereótipos que falam de comunidades mais pobres, daí acaba se esquecendo de que pode ser diferente - e até se assusta quando topa com um exemplo que foge à "regra".
ResponderExcluirEu também confesso que às vezes fico até meio cético com umas idéias tipo essa do "baile funk para crianças" - encontro uma considerável dificuldade em enxergar um baile funk como algo potencialmente saudável, quanto mais pra crianças.
Mas o fato é que é preciso trabalhar com o que se tem, né. Nessas situações é até bacana queimar a lingua.
Ótimo texto e trabalho, Carlitos! :]